segunda-feira, 10 de setembro de 2018

A moto-romaria do Círio

João de Jesus Paes Loureiro
Belém do Pará/2009
Romaria de motocicletas.
Liturgia tecnológica
no cantar o canto-chão de máquinas em coro,
rezando pelas descargas,
orando pelas buzinas,
acelerando a crença
no velocímetro da fé.
Máquinas em devoção metálica.
Transfiguração de pés em rodas peregrinas.
Palavras embreadas na linguagem.
Mudando a marcha do tempo
a moto-romaria
avança pelas ruas do que é
em busca do vir a ser no que será.
Signos tatuados em braços,
costas, peitos, ventres, pelvis, pernas
de um novo corpo místico.
A pós-modernidade aqui que se faz litúrgica
convertendo a moto, símbolo rebelde,
em signo devoto.
Relâmpago de preces
na veloz velocidade mecânica
de nossos dias.
Motocírio ansioso furando o túnel de mangueiras,
abrindo um buraco na luz da manhã.
Devoção metálica de uma época
que não tem mais tempo para o tempo.
O antigo veste roupa nova,
ou é o novo que celebra o antigo?
Rios a encontrarem-se nas águas,
correntezas litúrgicas,
almas abraçadas
pelas ruas de Belém.
Cheiro de gasolina
entre incensos e patichulis.
Buzinas feito campaínhas.
Colares de sementes
entre escapulários.
Descargas pelos canos explodindo
sonorizando fogos de artifício.
Corais motorizados que rezam ladainhas.
A imagem na Berlinda
sobre o carro de bombeiros,
avança
entre os incêndio da fé que arde nas almas.
Com que súbito espanto,
de seu calmo céu de catecismo,
anjos, de harpa nas mãos,
hão de entender essa missa dionisíaca de máquinas?
A romaria das motos pelo asfalto
arromba as portas do silêncio,
da indiferença,
do conformismo
e abre,
sob túneis de mangueiras,
uma nova estrada de amor e de esperança...

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