Andando de moto – J. Carino
Monto em minha moto e me movo, lépido, cúmplice do vento, que corto e me acaricia o rosto.
Ando entre os carros. Transgrido as leis, passando lento, num caminho de vitória sobre a lentidão muito mais lenta da massa de veículos. E sorrio vendo os que me olham: com admiração e inveja, uns; com raiva, outros, presos nas suas armadilhas de aço, feitas para correr e frustradas no pára-e-anda.
Meu pulso gira e o giro do motor aumenta. O empuxo me lança em direção ao horizonte, onde há amanheceres e ocasos esperando que eu passe e os assista, boquiaberto e feliz.
Equilibro-me, fácil, nas duas rodas – o que é como equilibrar-me no fio permanente de navalha da vida. Meu corpo inteiro, integrado à máquina, segue num movimento harmonioso, na suavidade das curvas, na linha contínua das retas. Desviar da concavidade dos buracos-armadilhas, recompor-se das escorregadelas nos óleos das pistas, fugir desta fechada, compensar aquela distração do motorista do lado, evitar a guinada maldosa de outro condutor – isso tudo é sobreviver, facilmente ou, às vezes, quase por milagre.
Sensação ímpar, andar de motocicleta é cavalgar em liberdade. É ver e sentir como as coisas passam, vão indo, indo, seguindo, rápidas. É gozar o movimento, observar tudo, sentir tudo, estar atento, pois que a atenção plena, completa, a entrega total a essa ação, faz com certeza a diferença entre permanecer equilibrado ou cair, continuar vivendo ou morrer.
Ah, mas o prazer tudo compensa. Ser ágil enquanto tudo se arrasta não tem preço; ir rápido daqui para lá, e voltar, estacionar com facilidade – comodidades que se agregam à pura felicidade de rodar sobre duas rodas.
Nas viagens extensas de motocicleta, o olhar se alonga, trazendo o horizonte para o alcance da mão. A estrada que serpenteia à frente, que oferece generosamente suas curvas e retas, é parte da paisagem em que a gente se integra, sendo, ao mesmo tempo, espectador boquiaberto das paisagens verdejantes, dos azuis deslumbrantes de céu, dos alaranjados de pôr-de-sol.
Abrir a viseira e respirar profundamente é sentir a vida invadindo plenamente os pulmões, enquanto o coração pulsa acelerado pela emoção.
Quando se vê um grupo de motos, na longuíssima faixa que é a estrada – intervenção do homem na ordem admirável da natureza – vê-se um balé de beleza única. As máquinas seguem numa reta perfeita, e se inclinam nas curvas, para um lado, depois para o outro, tudo isso recortadas contra o horizonte. Também sobem, mais lentas, para depois descer vertiginosamente, num sobe e desce que também pode ser uma metáfora da vida.
Andar na chuva tem mais risco porém igualmente incorpora emoção e até beleza. O cheiro da terra sobe de todo lado, e inalá-lo é garantir um hausto de gostosura em forma de odor. A chuva, batendo no capacete, na roupa própria que quase impede por completo a molhadura, também pode dar prazer. E tudo isto exige mais cuidado, mas aguça os sentidos e acelera a emoção, que muito freqüentemente é amiga dileta do perigo.
O sol aquece os corpos dos motociclistas, muitas vezes causando desconforto quando é por demais intenso. Porém, faz também da vestimenta um casulo agradável quando os dias são mais frios.
Andando de moto, reflito, penso, relembro, imagino, sinto, me alegro, me entristeço, rio, choro, falo comigo – faço, enfim, tudo o que fazemos em outras situações e condições. Só que faço isso sobre duas rodas, montado na emoção, dependurado pelo fio sutil no risco, absolutamente calculado, que exige o máximo equilíbrio, não somente da máquina e do corpo, mas igualmente da alma e do coração.
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